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terça-feira, 17 de junho de 2014
Luís Afonso: O cartoonista da Cidade de Serpa , gosta mais de escrever do que de desenhar .
“Tenho cada vez mais prazer a escrever do que a desenhar.” Palavras de um cartoonista que conta com 30 anos de carreira. “Uso o desenho mais como um apoio aos textos, porque não sou virtuoso no traço”, admitiu ao Observador Luís Afonso. Mas é o estilo, entre traço e textos, que marca os vários cartoons que cria hoje em dia. “A Mosca”, um cartoon animado que produz para a RTP desde abril, não é exceção.
A falta de formação na área de desenho levam-no a rever-se “mais como um argumentista do que como um desenhador”. O Snoopy, de Charles Schulz, ou a Mafalda, de Quino, foram as poucas referências que teve num percurso que começou por acaso em 1984, quando estudava geografia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Publiquei uma banda desenhada no jornal O Diário, e perguntaram-me se queria fazer cartoons na edição de fim-de-semana”, contou Luís Afonso.
Fez trabalhos pontuais para várias publicações de forma “semi-amadora” até chegar à sua primeira colaboração verdadeiramente profissional no jornal A Bola. “Como era para a revista tinha de ser mais gráfico. O que não era tanto o meu estilo, pelo menos o atual”, disse o cartoonista. “Nos anos noventa criei uma tira sobre a atualidade futebolística para a edição de domingo, que entretanto passou a ser diária, mas refletindo sempre o que faz a capa dos jornais de desporto.” Nascia assim “Barba e Cabelo”.
Um barbeiro de bigode farto, cigarro na boca e tesoura na mão e um cliente que espera um corte de cabelo e dois dedos de conversa são os personagens deste cartoon. O autor inspirou-se no barbeiro da terra natal – Aljustrel -, onde frequentemente se discutem assuntos de futebol. “‘Barba e Cabelo’ foi o princípio do meu estilo atual, foi nesse momento que passei a ter mais prazer no texto”, revelou Luís Afonso.
Habituado a uma tira a três tempos (com três vinhetas), teve de adaptar-se às tiras a quatro tempos quando foi convidado para trabalhar no Público em 1993. Embora o ritmo a quatro tempos seja muito diferente oferece a possibilidade de, na terceira vinheta (quadrado), “criar uma pausa ou um balanço para a última parte”, como explicou o autor.
O maior desafio não era trabalhar com um ritmo diferente, mas ter de substituir o recém-falecido cartoonista Sam (Samuel Torres de Carvalho). “Não queria criar uma personagem porque não podia competir com o Guarda Ricardo [a personagem mais famosa de Sam], por isso criei uma situação [‘Bartoon’] por onde passavam muitas personagens”, revelou Luís Afonso. “Com o tempo o barman afirmou-se como a personagem principal, mas sempre sem ter nome.”
Aproveitar “a atualidade dos jornais, o que é manchete e o que é polémico” é comum nos seus trabalhos: no “Bartoon”, com temas mais genéricos, no “Barba e Cabelo”, que incide sobretudo no futebol, e no “SA”, o cartoon do Jornal de Negócios mais ligado à economia. As tiras com três vinhetas do “SA”, nascidas em 2003, incluem os empregados de uma empresa: o diretor executivo, a secretária e dois operários.
Ser cartoonista em Serpa
Estar a par das notícias da atualidade agora é fácil, mas “nos anos de 1990 era impossível fazer o que faço hoje”, disse Luís Afonso. “[Na altura] lia os jornais todos os dias, mas as notícias eram do dia anterior, por isso também ouvia muita rádio. Mas gravar tudo e ouvir as cassetes para fazer as citações corretamente era muito moroso”, acrescentou.
Valia-lhe estar em casa. Desde 1995, quando nasceu o terceiro e último filho, não voltou a trabalhar como professor de geografia ou como geógrafo em autarquias. Embora gostasse de dar aulas acabou por dedicar-se exclusivamente aos cartoons e aos filhos, enquanto a mulher trabalhava na Câmara Municipal de Serpa, onde residem há 24 anos.
“Quando precisei de fazer cartoons diários tive de comprar a crédito um fax para poder enviar os trabalhos. Mas hoje em dia nem preciso digitalizar, desenho diretamente no computador e posso colorir no Photoshop”, continuou o cartoonista. Gasta grande parte do dia a fazer pesquisa e a ler as notícias do dia, porque criar os desenhos é agora muito mais fácil : “Numa hora consigo fazer um ‘Bartoon’.”
Luís Afonso tem outro cartoon de atualidade num novo registo, uma versão de animada que passa de segunda a sexta-feira depois do Telejornal da RTP1. Foi um desafio lançado no final do ano passado por Paulo Ferreira, então diretor de informação da radiotelevisão nacional. “O Paulo Ferreira convidou-me para fazer algo com animação e o meu filho mais velho disse que sabia fazê-lo. Depois bateu-me na cabeça a mosca, porque uma mosca tem legitimidade para falar de atualidade”, contou. “Sabe, porque sabe, porque anda por todo o lado.” Lembrando a expressão portuguesa: “Quem me dera ser uma mosquinha.”
A mosca tsé-tsé, atual protagonista dos 40 segundos de televisão, é uma personagem antiga. “Sou um minimalista por isso sempre gostei daquele boneco”, confessou Luís Afonso. A mosca viveu as “Histórias Invertebradas” no início dos anos de 1990 na revista do Público, com alguns companheiros insetos também recuperados, aos quais o cartoonista deu uma nova personalidade: a aranha sádica, as formigas trabalhadoras e o mosquito tonto. Esta tira animada tem um som permanente, o zumbido, e a voz dos insetos em “insetês”, que depois é traduzido em português nas legendas, para que o cartoon funcione mesmo sem som.
“As ‘Histórias Invertebradas’ eram diálogos existenciais e filosóficos, sem atualidade e sem pés nem cabeça”, comentou o autor. Uma excepção num registo profissional que se pautava mais pelas notícias do momento, mas não a única. Lopes, que começou por ser um “escritor pós-moderno” que queria escrever um livro “mesmo antes de aprender a ler e a escrever”, converteu-se num “repórter pós-moderno”, a trabalhar para a revista Sábado, só para ter uma fonte de rendimento.
Mas Lopes, o repórter pós-moderno, deixou os meios de comunicação e voltou à literatura. “Ser reporter não o beneficia”, justifica Luís Afonso. Enquanto escritor pós-moderno, Lopes já publicou um livro – “O Comboio das Cinco”. “Deu-me um grande gozo porque foi apresentado pelo [escritor] Mário de Carvalho”, contou o autor. “É um livro escrito pela personagem, em que se diz mal do livro dentro do próprio livro.” Lopes, o escritor pós-moderno, já está a escrever o próximo livro para sair em 2015. “Será ainda mais estúpido do que o anterior.”
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